Direito empresarial e a atualização do Código Civil

Em setembro/23, por iniciativa do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, foi criada a Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, presidida pelo ministro do STJ, Luis Felipe Salomão.

A Comissão de Juristas concluiu em 5/4/241 a análise do relatório final, que foi apresentado ao Plenário do Senado Federal em 17/4/242. A partir de agora, os senadores analisarão a proposta enviada pela Comissão de Juristas, que será protocolada como projeto de lei pelo Presidente do Senado Federal.

Para a atualização dos aspectos envolvendo o Direito Empresarial, foi constituída a subcomissão de Direito Empresarial, que buscou promover ajustes na disciplina e na interpretação de negócios empresariais, com reforço da autonomia privada, levando em consideração aspectos que são próprios desses negócios, com busca da segurança jurídica e maior previsibilidade, adotando as teses que são consolidadas pelo STJ para sedimentar entendimentos da Corte Superior.

Dentre as sugestões de inovações e atualizações propostas no relatório final3, vale citar a criação de um artigo que traz princípios próprios do direito empresarial, inserido no art. 966-A, que assim dispõe:

“Art. 966-A. As disposições deste livro devem ser interpretadas e aplicadas visando ao estímulo do empreendedorismo e ao incremento de um ambiente favorável ao desenvolvimento dos negócios no país, observados os seguintes princípios:

  1. da liberdade de iniciativa e da valorização e aperfeiçoamento do capital humano;
  2. da liberdade de organização da atividade empresarial, nos termos da lei;
  3. da autonomia privada, que somente será afastada se houver violação de normas legais de ordem pública;
  4. da autonomia patrimonial, das pessoas jurídicas, conforme seu tipo societário;
  5. da limitação da responsabilidade dos sócios, conforme o tipo societário adotado, nos termos legais
  6. da deliberação majoritária do capital social, salvo se o contrário for previsto no contrato social;
  7. da força obrigatória das convenções, desde que não violem normas de ordem pública.
  8. da preservação da empresa, de sua função social e de estímulo à atividade econômica;
  9. da observância dos usos, práticas e costumes quando a lei e os interessados se refiram a eles ou em situações não reguladas legalmente, sempre que não sejam contrários ao direito;
  10. da simplicidade instrumentalidade das formas.”

Nessa mesma linha, criou-se a previsão de regras específicas para os contratos empresariais, além de regras próprias de interpretação, em harmonia com os princípios transcritos acima, conforme previsão do art. 421-C:

“Art. 421-C. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos, se não houver elementos concretos que justifiquem o afastamento desta presunção, e assim interpretam-se pelas regras deste Código, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais.

Parágrafo único. Para sua interpretação, os contratos empresariais exigem os seguintes parâmetros adicionais de consideração e análise:

  1. os tipos contratuais que são naturalmente díspares ou assimétricos, próprios de algumas relações empresariais, devem receber o tratamento específico que consta de leis especiais, assim como os contratos que decorram da incidência e da funcionalidade de cláusulas gerais próprias de suas modalidades;
  2. a boa-fé empresarial mede-se, também, pela expectativa comum que os agentes do setor econômico de atividade dos contratantes têm, quanto à natureza do negócio celebrado e quanto ao comportamento leal esperado de cada parte;
  3. na falta de redação específica de cláusulas necessárias à execução do contrato, o juiz valer-se-á dos usos e dos costumes do lugar de sua celebração e do modo comum adotado pelos empresários para a celebração e para a execução daquele específico tipo contratual;
  4. são lícitas em geral as cláusulas de não concorrência pós-contratual, desde que não violem a ordem econômica e sejam coerentemente limitadas no espaço e no tempo, por razoáveis e fundadas cláusulas contratuais;
  5. a atipicidade natural dos contratos empresariais;
  6. o sigilo empresarial deve ser preservado.”

Como se nota, há uma clara intenção de reforçar, mediante previsão expressa e específica, a necessidade de respeito do princípio da autonomia privada nas relações empresariais, que consiste no poder reconhecido pela ordem jurídica aos particulares para dispor acerca dos seus interesses, notadamente os econômicos (autonomia negocial), realizando livremente negócios jurídicos e determinando os respectivos efeitos (PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 11)4.

A autonomia privada, embora modernamente tenha cedido espaço para outros princípios (como a boa-fé e a função social do contrato), apresenta-se, ainda, como a pedra angular do sistema de direito privado, especialmente no plano do Direito Empresarial.

O seu pressuposto imediato é a liberdade como valor jurídico. Mediatamente, o personalismo ético aparece também como fundamento, com a concepção de que o indivíduo é o centro do ordenamento jurídico e de que sua vontade, livremente manifestada, deve ser resguardada como instrumento de realização de justiça (AMARAL NETO, op. cit. p. 17).

O princípio concretiza-se, fundamentalmente, no direito contratual, através de uma tríplice dimensão: a liberdade contratual, a força obrigatória dos pactos e a relatividade dos contratos.

A liberdade contratual representa o poder conferido às partes de escolher o negócio a ser celebrado, com quem contratar e o conteúdo das cláusulas contratuais. É a ampla faixa de autonomia conferida pelo ordenamento jurídico à manifestação de vontade dos contratantes.

Já a força obrigatória dos contratos é o contraponto da liberdade contratual. Se o agente é livre para realizar qualquer negócio jurídico dentro da vida civil, deve ser responsável pelos atos praticados, pois os contratos são celebrados para serem cumpridos (pacta sunt servanda).

O controle judicial sobre as cláusulas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia.

Esse é o entendimento consolidado que tem sido adotado de forma reiterada pelos Tribunais Estaduais e pelo STJ, o qual também é consenso na doutrina sobre o tema, de modo que é louvável a intenção da Comissão de Juristas de reforçar tais pontos, por meio da previsão expressa dessas questões no Código Civil, em busca de alcançar maior segurança e previsibilidade nas relações empresariais.

Por fim, apenas a título informativo, o anteprojeto de alteração do Código Civil também alterou os regramentos de empresas estrangerias com operação em solo nacional, exigindo que tenham sede e representante legal no Brasil para o seu regular funcionamento.

O Conselho Estadual de Direito Comercial da FEDERAMINAS seguirá acompanhando o trâmite legislativo envolvendo a reforma do Código Civil, no que diz respeito ao Direito Empresarial, visando manter as Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais informadas e atualizadas sobre o tema.

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1 Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2024/04/comissao-de-juristas-para-revisao-do-codigo-civil-conclui-relatorio-final

2 https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2024/04/anteprojeto-do-novo-codigo-civil-e-apresentado-em-plenario

3 https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2630

4 AgInt nos EDcl no REsp n. 1.902.149/DF, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 3/4/2023, DJe de 27/4/2023.

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