Os procedimentos de falência e de recuperação judicial estão previstos no mesmo diploma legal, na Lei nº 11.101/2005, conhecida popularmente como Lei de Recuperação Judicial e Falência. A previsão conjunta se justifica pelo fato de que a situação que dá ensejo ao procedimento de falência é a mesma que dá ensejo ao procedimento de recuperação judicial: a insolvência do empresário ou da sociedade empresária.
O estado de insolvência se caracteriza quando o passivo do empresário ou da sociedade empresária é maior que seu ativo, ou seja, quando o empresário ou a sociedade empresária não consegue mais arcar com as obrigações assumidas, pois não tem mais condições, especialmente financeiras, de assim fazer. Normalmente o estado de insolvência está atrelado aos períodos de crise econômica enfrentados pelo país.
É importante destacar, ainda como características comuns a ambos os procedimentos, que a Lei de Recuperação Judicial e Falência se aplica apenas àqueles que exercem algum tipo de atividade empresária, sendo que aqueles que não exercem atividade empresária não poderão requerer os procedimentos de falência e de recuperação judicial.
Nos termos do artigo 966 do Código Civil, atividade empresária é aquela economicamente organizada para a produção e a circulação de bens ou de serviços. No entanto, algumas atividades, embora atendam aos requisitos antes mencionados, são excluídas de tal conceito, como as atividades de natureza científica ou de cunho intelectual, como a prestação de serviços advocatícios, por exemplo.
Apesar de possuírem diversos pontos em comum, os procedimentos possuem objetivos distintos. Enquanto os benefícios legais trazidos pelo procedimento de recuperação judicial são utilizados com o intuito de reerguer o empresário ou a sociedade empresária que os pleiteiam, o procedimento de falência objetiva tão somente o pagamento das dívidas do empresário ou da sociedade empresária.
Dessa forma, são distintos, também, os requisitos para pleitear cada procedimento. Na recuperação judicial, o empresário ou a sociedade empresária deve demostrar que, apesar de estar insolvente, possui viabilidade econômica para retomar suas atividades e, com isso, voltar a cumprir com suas obrigações. Em sentido contrário, a falência pressupõe quebra e inviabilidade econômica do empresário ou da sociedade empresária para adimplir as obrigações anteriormente assumidas.
Pode-se dizer, assim, que a recuperação judicial é um momento pré-falimentar, em que empresário ou a sociedade empresária, em última chance, tenta se utilizar de mecanismos legais para sobreviver à crise econômico-financeira vivida.
O procedimento de recuperação judicial se inicia com um pedido do empresário ou da sociedade empresária, formalizado por meio da peça processual denominada petição inicial. Nesta petição, os fatos que levaram à insolvência deverão ser narrados, bem como deverá ser demostrada a viabilidade econômica para continuar a exploração da atividade.
Antes de ingressar formalmente com o pedido de recuperação judicial, é importante que o empresário ou a sociedade empresária, caso seja possível, busque seus principais credores e, junto deles, trace um plano de recuperação judicial que atenda tanto aos interesses de ambas as partes. Essa etapa não é obrigatória, tampouco prevista pela Lei de Recuperação Judicial e Falência, mas recomenda-se que o empresário ou a sociedade empresária a observe.
Com o deferimento do pedido de recuperação judicial pelo juízo competente, o empresário ou a sociedade empresária se utilizará de benefícios para tentar se reerguer. Dentre os benefícios possíveis, destacam-se a suspensão das execuções, possibilidade de concessão de prazos e condições especiais para o pagamento das obrigações, redução salarial, compensação de horários e redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva, entre outros.
Caso o empresário ou a sociedade empresária, mesmo após a concessão dos benefícios acima elencados, não consiga adimplir suas obrigações ou descumpra o plano de recuperação, o procedimento de recuperação judicial será convertido em falência, situação em que, ao mesmo tempo, o procedimento de recuperação judicial é encerrado, considerando que empresário ou a sociedade empresária não conseguiu se reerguer, e o procedimento de falência é iniciado.
O procedimento de falência se inicia, também, com um pedido, seja o pedido de conversão da recuperação judicial em falência ou, então, o pedido de falência propriamente dito, que pode ser feito pelo próprio empresário ou sociedade empresária, a chamada autofalência, ou por credores particulares.
Neste procedimento, o administrador da sociedade empresária é afastado e, para ocupar o seu lugar, é nomeado um administrador judicial. O administrador judicial passa a exercer atividades de administração, mas não de administração das operações e sim administração dos ativos e dos passivos da sociedade empresária falida, com o objetivo de liquidar as obrigações contraídas e não cumpridas.
Cabe ao administrador judicial, nesse sentido, verificar as dívidas da sociedade empresária e listar seus credores, enquadrando-os nas chamadas classes de credores, sendo elas: classe trabalhista, classe dos credores com garantia real, classe dos créditos tributários e classe dos credores comuns, também chamados de quirografários.
A separação dos credores em classes está fundada na ordem de preferência para o pagamento das dívidas da sociedade empresária, a qual se denomina concurso de credores. Os credores são pagos na ordem acima mencionada, do credor trabalhista ao credor quirografário.
Também cabe ao administrador judicial saldar os ativos da sociedade empresária, para que o pagamento dos credores seja realizado. Assim, o pagamento dos credores é realizado com as vendas dos bens pertencentes à sociedade empresária.
Dessa forma, em conclusão, os procedimentos de falência e de recuperação judicial, embora tenham pontos de partida similares, sendo o principal deles a crise econômico-financeira-patrimonial vivida pelo empresário ou sociedade empresária, buscam propósitos distintos. Enquanto o procedimento de recuperação judicial objetiva que o empresário ou a sociedade empresária, por meios dos benefícios legais concedidos, consiga cumprir com suas obrigações e continuar exercendo sua função social, que é, em suma, gerar produto e/ou serviço, emprego e renda, o procedimento de falência é utilizado quando o empresário ou sociedade empresária não apresenta mais viabilidade econômico-financeira/ou patrimonial para superar o estado de insolvência.
Anna Paula Piovesan Pinheiro
Advogada, graduada em Direito, com ênfase em Direito Civil, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, inscrita na Ordem dos Advocados do Brasil, Secção São Paulo (OAB/SP) (2021). Autora de artigos. Advogada no TM Associados.