As alternativas Jurídicas para a Resolução de Conflitos entre Sócios com Participação Igualitária
Não é raro de se observar desacordos e desalinhamentos entre os sócios de uma sociedade, uma vez que a diversidade de pessoas e personalidades, inevitavelmente, leva a uma variedade de opiniões, o que por sua vez pode resultar em divergências quanto ao próprio funcionamento e desenvolvimento do objeto social da sociedade. Especialmente nas sociedades limitadas, em que o affectio societatis é elemento intrínseco, tais desacordos e desalinhamentos podem ocasionar sérias consequências.
Há de se ressaltar, logo inicialmente, que nem todos os conflitos enfrentados pelos sócios são considerados impasses ou, como denomina a doutrina, “deadlock”. Considera-se “deadlock” apenas os conflitos sobre uma diretriz fundamental para a sociedade.
Esse tipo de conflito não pode ser solucionado por meio de acordo entre as partes, uma vez que não é possível obter o quórum necessário para aprovar uma deliberação de extrema importância para a sociedade, o que se torna ainda mais difícil quando a estrutura societária concede uma participação igualitária aos sócios, como por exemplo, uma sociedade limitada com dois sócios, cada um com participação de 50% (cinquenta por cento).
Quando nos deparamos com esses confrontos, em geral, três são as maneiras de resolvê-los: a autotutela, a autocomposição, e a heterocomposição.
Na autotutela as partes empregarão seus próprios recursos para solucionar o conflito. Já na autocomposição as partes, por meios próprios, resolvem o impasse, sem recorrer à aplicação da força e, por fim, na heterocomposição as partes se utilizarão de um (ou mais) terceiros para decidir a questão por elas.
Existem as formas tradicionais de solucionar os impasses, como a mediação, a arbitragem e o ajuizamento de demandas judiciais (Poder Judiciário), sendo essa última, em que pese todas as suas desvantagens, a mais comumente utilizada.
A mediação
A mediação se mostra um recurso eficaz na resolução de disputas, especialmente quando os sócios possuem igualdade de poder (em que cada sócio possui 50% do capital social). Conforme estabelecido na Lei nº 13.140/2015, um mediador auxilia as partes a forjar uma solução consensual para a questão.
O mediador atua de forma imparcial, desempenhando o papel de facilitador na identificação das reais necessidades e interesses das partes. Ele não oferece sugestões de soluções, mas auxilia na construção da resolução e, mais do que isso, busca, também, restaurar a relação entre os sócios. A confidencialidade da mediação é um aspecto relevante, especialmente em casos que envolvem informações confidenciais.
O procedimento de mediação pode ocorrer em uma câmara escolhida de comum acordo pelas partes ou de maneira mais informal, com a escolha de um mediador acordada entre elas. Aqui, é importante ressaltar a confidencialidade da mediação, especialmente em casos que envolvem informações confidenciais.
A arbitragem
A arbitragem é regulada pela Lei nº 9.307/1996 e consiste em transferir a um arbítrio ou tribunal arbitral a responsabilidade de solucionar uma disputa e, diferentemente da mediação, um terceiro assume a responsabilidade pela decisão final. Esse método oferece benefícios como a previsibilidade dos prazos e a impossibilidade de apelação contra a decisão arbitral.
Ademais, as partes podem optar por um árbitro altamente especializado na matéria da controvérsia e, também, é confidencial, o que reduz a exposição dos envolvidos.
Em que pese ser um método que não envolve o Poder Judiciário, caso a decisão arbitral não seja cumprida, deve-se a ele recorrer. A decisão arbitral é considerada título executivo e pode ser, em caso de inadimplemento, executada através dos mecanismos coercitivos que dispõe o Poder Judiciário.
Poder Judiciário
Ao tratar-se de conflitos tem-se que uma das primeiras – e mais utilizadas – possibilidades de solução é o Poder Judiciário, por meio do qual a decisão cabe ao Estado-Juiz.
A utilização do Poder Judiciário é garantida pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, consagrado no art. 5º, XXXV, da CFB/88[1], porém, diante especialmente de sua morosidade, a utilização do Poder Público pode não ser a alternativa mais eficaz.
Além dos métodos tradicionais, antes mencionados, existem alternativas contratuais para solucionar os impasses entre os sócios, as chamadas “cláusulas de impasse”, mais comumente conhecidas como “deadlock provisions”. São mecanismos para solucionar possíveis impasses e conflitos entre os sócios e a essência dessas cláusulas reside em seu caráter contratual, sendo que apenas são acionadas se as partes envolvidas optarem por incluí-las no contrato ou estatuto social. Não são impostas por regulamentação legal, mas derivam da livre vontade das partes contratantes.
Neste contexto, o princípio jurídico do “pacta sunt servanda” assume importância fundamental. Ele estipula que o que as partes acordaram deve ser cumprido, desde que não viole as leis ou o sistema jurídico vigente. Em outras palavras, as partes têm a liberdade de estabelecer regras e procedimentos para lidar com impasses e conflitos, contanto que essas disposições estejam em conformidade com as leis existentes.
As cláusulas de impasse podem assumir uma variedade ampla de formas e procedimentos, geralmente sendo adaptadas para atender às necessidades e características específicas de cada sociedade e das partes envolvidas. Alguns exemplos de disposições de impasse são:
Cláusulas escalonadas
As cláusulas chamadas de cláusulas escalonadas, também conhecidas como cláusulas “med-arb”, estipulam a resolução de conflitos inicialmente por meio de um processo autocompositivo, como a mediação. Caso as partes não alcancem um acordo consensual, têm a opção de submeter a controvérsia a um terceiro, seja um árbitro ou o sistema judiciário, que decidirá o caso de maneira final, substituindo-as.
Voto de Qualidade
Prevê a atribuição a um membro do conselho de administração ou da assembleia de sócios com um “voto de qualidade”, que geralmente é designado ao presidente (que pode ser um membro independente ou um cargo rotativo entre os próprios sócios, com o intuito de assegurar imparcialidade e equidade nas decisões) do conselho e/ou assembleia e torna-se decisivo na situação de empate ou desacordo entre os sócios
Essa função crucial possibilita a resolução imediata de situações em que as partes não conseguem alcançar um consenso, impedindo assim a paralisação das operações e garantindo que as decisões continuem a ser tomadas de maneira ininterrupta.
Cláusula Shotgun
Cláusulas Shotgun referem-se àquelas que estipulam que, ao se constatar um “gatilho” (como a ocorrência de um impasse societário), uma das partes tem o direito de adquirir a participação societária da outra parte. Esta última é obrigada a vender suas ações ou quotas para a parte ofertante, ou então comprar as ações ou quotas desta.
Ao retirar um dos sócios, o conflito de interesses, que se caracteriza pela pretensão resistida, é resolvido de maneira direta e eficaz. Isso porque nos casos em que a resolução amigável é inviável e o impasse societário é tão significativo a ponto de ameaçar a continuidade da sociedade e de suas operações, a saída de um dos sócios pode ser a solução mais eficiente e rápida.
Como a parte que aciona a cláusula pode eventualmente comprar ou vender a participação societária, há um incentivo para que se estabeleça um preço justo pelas ações ou quotas – o que promove resultados mais equitativos, sem os custos administrativos e a demora associados a outros métodos de resolução de conflitos societários.
Assim, a Cláusula Shotgun, em regra, possui o seguinte funcionamento:
1) Notificação: com a configuração do impasse, uma das partes envia uma notificação à outra para adquirir ou vender sua participação por um valor determinado. A parte que notificante apresenta as condições que considera viáveis para a concretização do acordo, concedendo um prazo para que a parte notificada decida se irá comprar a participação da notificante ou vender a sua, conforme as condições propostas; e
2) Resposta à Notificação: Por sua vez, a parte notificante terá a prerrogativa de escolher se deseja se retirar da sociedade, vendendo sua participação à parte ofertante, ou se prefere permanecer, adquirindo a participação da parte notificante.
É crucial que o acordo de sócios contemple a interpretação do silêncio por parte da notificada, bem como outras condições da notificação, como o prazo para resposta, o método de pagamento e a determinação do critério para a apuração de haveres, entre outras que as partes julguem pertinentes, levando em conta a natureza específica da relação entre elas.
Sabrina de Melo – Advogada do Departamento Consultivo no TM Associados, graduada em Direito pela Universidade Padre Anchieta (2022), inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo (OAB/SP). Pós-Graduanda em Direito Civil pela PUC-MG.
Leonardo Theon de Moraes – Advogado, graduado em direito, com ênfase em direito empresarial, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012), inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP) (2012). Pós- graduado e Especialista em Direito Empresarial pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (2014), Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2017), autor de livros e artigos, palestrante, professor na graduação, MBA e Educação Executiva na FIPECAFI, membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), membro do Comitê de Direito Empresarial e de Fusões e Aquisições da International Bar Association, Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e Presidente do Conselho Estadual de Assuntos de Direito Comercial da FEDERAMINAS. Sócio fundador da TM Associados. Sócio fundador do TM Associados.
[1] “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”
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