Regularização da guarda como instrumento de segurança infantil
A regularização da guarda de filhos é essencial para garantir estabilidade emocional e jurídica, protegendo os direitos da criança e promovendo um ambiente familiar saudável.
A guarda de filhos menores é um dos temas mais sensíveis e de maior impacto no Direito de Família, pois está diretamente vinculada à proteção da dignidade humana e ao pleno desenvolvimento da criança e do adolescente. Em contextos de dissolução conjugal seja por separação, divórcio ou término de união estável, a definição da guarda não pode se dar de forma meramente informal ou tácita. É imprescindível que essa definição seja clara, formalizada e revestida de validade jurídica, garantindo a previsibilidade, estabilidade e segurança necessárias à criança, que é a parte mais vulnerável nesse processo.
Nesse cenário, a regularização da guarda emerge não apenas como uma formalidade processual, mas como um verdadeiro instrumento de proteção integral, contribuindo para a estruturação de um ambiente familiar seguro, emocionalmente saudável e juridicamente protegido.
Conceito de guarda no Direito brasileiro
No ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da guarda está disciplinado, em especial, pelo art. 1.583 do Código Civil1, que prevê duas modalidades principais: a guarda unilateral e a guarda compartilhada. A primeira atribui a um dos genitores ou, excepcionalmente, a um terceiro a incumbência exclusiva de tomar decisões relevantes sobre a vida do menor, tais como questões relacionadas à saúde, educação, formação moral e religiosa. Ao genitor que não detém a guarda cabe o direito de convivência e o dever de supervisionar os interesses da criança ou adolescente.
Por sua vez, a guarda compartilhada consiste na divisão equilibrada das responsabilidades parentais, independentemente da residência física do menor. Ambos os genitores participam ativamente das decisões fundamentais, promovendo a corresponsabilidade e a cooperação na formação integral da criança. Essa modalidade foi reforçada pela lei 13.058/14, que a estabeleceu como regra no parágrafo segundo do art. 1584 do CPC2, mesmo em situações de litígio, ressalvadas hipóteses em que um dos pais manifeste desinteresse na guarda ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar, esta última hipótese foi incluída pela lei 14.713/23.
É relevante destacar que guarda não se confunde com a posse física da criança. O conceito abrange não apenas a convivência cotidiana, mas o exercício do poder familiar em sua integralidade. Assim, deve ser compreendido como um instrumento jurídico destinado à proteção dos direitos da criança, devendo sua aplicação sempre observar o princípio do melhor interesse do menor, conforme delineado pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/19903) e por tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU.
A definição adequada da guarda é, portanto, elemento central na estruturação das relações parentais pós-dissolução da união conjugal, sendo essencial para garantir a estabilidade emocional, física e jurídica da criança e do adolescente, em consonância com os direitos fundamentais que lhes são assegurados.
A função protetiva da regularização da guarda
A regularização da guarda dos filhos menores, longe de ser um mero ato burocrático, configura-se como um verdadeiro instrumento de proteção integral da criança e do adolescente. Ao formalizar, por meio de decisão judicial ou homologação de acordo, os deveres e responsabilidades parentais, cria-se um ambiente de previsibilidade, estabilidade e segurança jurídica que é fundamental para o desenvolvimento físico, emocional e psicológico do menor.
Em contextos de separação ou dissolução da união conjugal, a ausência de definição legal da guarda pode gerar conflitos recorrentes entre os genitores, afetar negativamente a rotina da criança e comprometer sua saúde mental e afetiva. Situações como decisões unilaterais, mudanças abruptas na convivência, ausência de critérios objetivos na divisão de responsabilidades e episódios de alienação parental são exemplos comuns de prejuízos decorrentes da omissão quanto à regularização da guarda.
Nesse sentido, a formalização da guarda constitui não apenas um meio de proteção à criança, mas um dever de cuidado por parte dos pais e do Estado. Ela assegura a efetividade dos direitos fundamentais previstos no art. 227 da Constituição Federal4, segundo o qual é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar. A guarda devidamente estabelecida permite, ainda, que esses direitos sejam exercidos de forma coordenada entre os genitores, respeitando os vínculos afetivos e garantindo a estabilidade nas relações familiares.
Ademais, a guarda regularizada favorece o exercício do poder familiar de forma equilibrada, evitando abusos e promovendo a coparentalidade responsável. Permite, por exemplo, o acesso a serviços públicos e privados de forma facilitada, a realização de atos administrativos e a responsabilização em casos de descumprimento dos deveres parentais. Trata-se de medida essencial à proteção da criança contra os efeitos colaterais da ruptura da convivência conjugal, preservando seu direito à continuidade dos vínculos afetivos e à convivência harmônica com ambos os genitores.
Consequências da ausência de regularização da guarda
A ausência de regularização formal da guarda, seja por decisão judicial ou por acordo homologado, compromete diretamente a estabilidade e a proteção da criança ou adolescente. Trata-se de omissão que fragiliza o exercício do poder familiar e pode gerar sérias consequências jurídicas, práticas e emocionais, tanto para o menor quanto para os genitores.
No aspecto jurídico, a falta de definição da guarda dificulta a realização de atos da vida civil que exigem comprovação de autoridade parental, como matrícula escolar, atendimento médico, inclusão em plano de saúde, emissão de passaportes, obtenção de documentos oficiais e acesso a benefícios sociais. Em muitos casos, instituições públicas e privadas exigem a comprovação da guarda para autorizar tais procedimentos, e a ausência desse documento inviabiliza ou retarda o atendimento às necessidades da criança.
Além disso, a indefinição pode fomentar conflitos recorrentes entre os pais, agravando a tensão familiar e afetando a estabilidade emocional do menor. A ausência de regras claras sobre convivência, tomada de decisões e responsabilidades parentais tende a gerar disputas constantes, que expõem a criança a um ambiente de insegurança afetiva e psicológica.
Outro risco relevante é a ocorrência da alienação parental, prevista na Lei 12.318/105, que consiste na manipulação da criança ou adolescente para afastá-la do outro genitor. Quando a guarda não está definida, torna-se mais difícil identificar e coibir esse tipo de conduta, o que pode comprometer gravemente o vínculo familiar e o desenvolvimento emocional do menor.
Por fim, a falta de regularização impede a responsabilização legal em casos de omissão ou negligência de um dos pais, dificultando medidas como a revisão de alimentos, pedidos de alteração da guarda, regulamentação de visitas ou aplicação de medidas protetivas.
Diante desse cenário, a regularização da guarda mostra-se imprescindível não apenas como um ato de organização familiar, mas como verdadeira medida de proteção da criança. Ao formalizar os deveres parentais e assegurar os direitos do menor, promove-se a pacificação das relações familiares, evita-se a judicialização desnecessária e reforça-se a proteção integral da infância, conforme exige o ordenamento jurídico brasileiro.
Considerações finais e perspectivas para o futuro
A regularização da guarda deve ser compreendida como medida fundamental à proteção integral da criança, e não apenas como um ato burocrático. Ao formalizar as responsabilidades parentais, garante-se um ambiente de estabilidade, previsibilidade e afeto, contribuindo para o bem-estar emocional e jurídico do menor.
Além de prevenir conflitos e assegurar direitos, a guarda legalmente definida concretiza os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente.
Para o futuro, é essencial que o Judiciário atue com sensibilidade e que políticas públicas incentivem a parentalidade responsável, a mediação familiar e o suporte às famílias. Consolidar a cultura da guarda regularizada é investir na formação de vínculos saudáveis e no desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes, em consonância com os valores de um Estado Democrático de Direito.
1 Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
2 Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: § 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar.
3 Lei nº 8.069/1990:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.
4 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
5 Lei nº 12.318/2010:
Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
https://www.migalhas.com.br/depeso/428078/regularizacao-da-guarda-como-instrumento-de-seguranca-infantil
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