Contratos empresariais de longo prazo: Gestão de riscos e garantias
Contratos empresariais de longo prazo exigem planejamento, flexibilidade e garantias para mitigar riscos, garantir segurança jurídica e promover relações duradouras.
Os contratos empresariais de longo prazo são instrumentos essenciais para promover estabilidade e relações comerciais duradouras. Contudo, sua extensão temporal exige atenção especial na gestão de riscos e na definição de garantias contratuais. Neste texto, vamos discutir de maneira prática como garantir a segurança jurídica desses contratos, sem deixar de lado as necessidades do empresário e evitando possíveis problemas no caminho.
Identificação de riscos nos contratos de longo prazo
Os contratos de longa duração envolvem compromissos estendidos por anos ou até décadas, o que expõe as partes a diversos riscos no tempo alongado de sua vigência. Para garantir sua estabilidade e eficácia, é fundamental identificar, categorizar e prever as possíveis adversidades que possam impactar sua execução. Esses riscos incluem, por exemplo:
- Riscos jurídicos: Alterações legislativas, mudanças regulatórias e ambiguidades contratuais;
- Riscos econômicos: Inflação, variação cambial e crises financeiras;
- Riscos operacionais: Inadimplemento das partes, interrupções na cadeia de suprimentos e obsolescência tecnológica;
- Riscos excepcionais: Eventos de força maior, como desastres naturais e pandemias.
A gestão dos riscos pode ser praticada com cláusulas contratuais bem estruturadas, com mecanismos específicos para mitigá-los, permitindo, assim, a manutenção da relação entre as partes.
Gerenciamento de riscos nos contratos de longo prazo
Na era globalizada, a transformação digital e as inovações na indústria evoluem cada vez mais rápido. O Direito não pode se manter estático perante a evolução tecnológica, especialmente no que diz respeito às empresas e a viabilidade de seus negócios.
Face a isto, a legislação e o Judiciário possuem evolução mais lenta, por questões de segurança jurídica, política, cultura e, inclusive, econômicas. A liberdade contratual conferida pelo Código Civil1, permite que o empresário viabilize sua evolução, sem ignorar a segurança jurídica e o ordenamento, evitando, ainda, o ajuizamento de demandas judiciais. Esse cuidado economiza tempo, dinheiro e permite a perenidade das relações comerciais.
Nesta esteira, o regulamento de relações comerciais duradouras depende da redação de um contrato que permita a flexibilidade e tenha os riscos jurídicos reduzidos, a partir de mecanismos cruciais para evitar conflitos. Isto pode se dar a partir de cláusulas que permitam a revisão do contrato, que estabeleçam regras para sua interpretação e que permitam a sua atualização periódica, mantendo-se, assim, a longevidade do pacto. Veja-se que não se trata de ignorar o princípio pacta sunt servanda, mas sim de relativizá-lo ante a necessidade de adequação das relações com o passar do tempo.
A flexibilidade do contrato deve ser facilitada. O uso de aditivos contratuais para ajustar eventuais mudanças por razões financeiras, econômicas, regulatórias e inclusive para resolver conflitos interpretativos, é uma forma de permitir a viabilidade da relação. Embora a segurança jurídica seja importante, contratos excessivamente rígidos podem se tornar inviáveis com o tempo. Por isso, a flexibilidade contratual é vital para a longevidade do acordo, permitindo que estes ajustes sejam negociados entre as partes.
A inclusão de cláusulas de revisão e reajuste é essencial para garantir que o contrato permaneça viável e justo ao longo do tempo. A revisão periódica das condições contratuais permite que as partes ajustem suas obrigações e direitos conforme mudanças no cenário econômico ou no setor de atuação. Os reajustes financeiros, por exemplo, podem ser vinculados a índices de inflação ou variação cambial, garantindo que os valores pactuados mantenham seu equilíbrio econômico. Da mesma forma, contratos que envolvem o uso ou fornecimento de tecnologia devem prever revisões técnicas periódicas, a fim de incorporar novas ferramentas e melhores práticas do mercado, além de evitar a imposição do uso de tecnologia obsoleta.
A redação do contrato deve incluir regras claras para sua interpretação, para além da regra geral do Código Civil que coloca a boa-fé e a função social do contrato como princípios norteadores para a sua interpretação2. Reduzir o risco de litígios decorrentes de ambiguidades é um fator de importância para a longevidade do contrato com a definição de termos técnicos e a hierarquia de disposições contratuais em caso de conflito. Esse cuidado evita disputas futuras e proporciona maior previsibilidade para a execução do contrato, além de deixar clara a intenção e a manifestação de vontade que reside positivada no contrato.
Deve existir cautela também para sanear situações imprevisíveis e/ou inevitáveis, o que, nos últimos anos, se mostrou estritamente necessário. Eventos imprevisíveis e inevitáveis, como desastres naturais, pandemias ou crises políticas, podem comprometer a execução de um contrato de longo prazo.
Para lidar com essas situações, a inclusão de cláusulas de força maior e hardship é essencial. Enquanto a cláusula de força maior exonera as partes de suas obrigações em circunstâncias excepcionais, a cláusula de hardship permite a renegociação do contrato diante de mudanças substanciais e inesperadas no equilíbrio econômico do negócio.
A preparação para cenários adversos é uma estratégia indispensável na gestão de riscos contratuais. A previsão de planos de contingência no contrato garante que as partes tenham diretrizes claras sobre como agir em situações que possam comprometer sua execução. Alternativas como a diversificação da cadeia de suprimentos, ajustes nos cronogramas de entrega e protocolos para reestruturação de obrigações contratuais são fundamentais para mitigar impactos negativos.
A supervisão periódica da execução contratual é um fator crucial para a mitigação de riscos. O contrato pode prever auditorias regulares, relatórios de desempenho e a criação de comitês de acompanhamento. Esse monitoramento contínuo permite a identificação de problemas antes que se tornem irreversíveis, possibilitando ajustes contratuais de forma proativa.
Garantias contratuais
Em que pese a redação do contrato e estratégias como as expostas acima evitem diversos problemas e contribuam com a manutenção da relação entre as partes, as garantias são elementos essenciais para proteger as partes envolvidas e assegurar o cumprimento do contrato. Entre as principais modalidades estão:
- Garantias reais: Penhor, hipoteca ou alienação fiduciária (arts. 1.419, 1.431 e 1.361 do Código Civil3). As garantias reais se baseiam na vinculação de bens específicos ao cumprimento de uma obrigação, conferindo maior segurança ao credor;
- Garantias pessoais: Fiança ou aval (art. 818 do Código Civil4). As garantias pessoais envolvem o comprometimento de um terceiro em assegurar o cumprimento das obrigações contratuais, reforçando a confiança entre as partes;
- Seguros contratuais: Regulados pelo art. 9º, II, da lei 6.830/805, garantem indenização em casos de inadimplemento. O seguro contratual transfere o risco econômico do inadimplemento para uma seguradora, que se compromete a cobrir os prejuízos decorrentes do descumprimento da obrigação. É comum sua utilização em contratos de construção civil, concessões públicas e fornecimento contínuo de bens ou serviços. Além disso, pode ser combinado com outras garantias para maximizar a segurança do contrato.
As garantias reais e pessoais são utilizadas nas seguintes hipóteses:
a) Penhor
É uma garantia que recai sobre bens móveis ou direitos. O devedor, ou um terceiro, entrega o bem ao credor ou a um terceiro em favor do credor como garantia de cumprimento da obrigação.
O credor possui o direito de vender o bem para saldar a dívida, caso o devedor não cumpra com sua obrigação.
b) Hipoteca
É uma garantia real que recai sobre bens imóveis, como terrenos ou construções. Diferentemente do penhor, o bem garantidor não é entregue ao credor, mas permanece vinculado à obrigação até o cumprimento total da dívida. Em caso de inadimplemento, o imóvel pode ser levado à penhora e posterior leilão.
c) Alienação fiduciária
Consiste na transferência da propriedade de um bem móvel ou imóvel ao credor, em caráter resolúvel, como garantia de uma obrigação. O devedor mantém a posse direta do bem, enquanto a propriedade plena é restituída a ele quando a dívida é quitada. Essa modalidade é amplamente utilizada em contratos empresariais, especialmente para aquisição de bens duráveis.
d) Fiança
É o contrato pelo qual uma terceira pessoa, denominada fiador, garante ao credor o cumprimento de uma obrigação assumida pelo devedor. Caso o devedor principal não cumpra com a obrigação, o fiador será responsável pelo pagamento. A fiança pode ser limitada ou ilimitada e, em contratos de longo prazo, é comum estabelecer limites claros para evitar abusos.
e) Aval
É uma garantia pessoal típica de títulos de crédito, como notas promissórias e duplicatas. O avalista assume a responsabilidade solidária pelo pagamento do título, podendo ser acionado diretamente pelo credor em caso de inadimplemento.
A escolha da modalidade de garantia deve considerar fatores como o tipo de contrato, a natureza da obrigação e o perfil das partes envolvidas. Garantias reais oferecem maior segurança patrimonial ao credor, enquanto garantias pessoais dependem da solvência do terceiro garantidor. Já os seguros contratuais proporcionam flexibilidade e segurança adicional, sendo ideais para contratos de maior complexidade e duração.
Compliance e ESG
A adoção de práticas de compliance e princípios ESG (ambiental, social e governança) reforça a responsabilidade social e a transparência contratual, conforme o art. 421-A do Código Civil. Esses elementos também contribuem para a mitigação de riscos reputacionais e operacionais. O compliance, ao implementar políticas internas que assegurem a conformidade com legislações e normas regulatórias, reduz a exposição a riscos jurídicos e financeiros, além de promover um ambiente de negócios ético.
Por sua vez, a incorporação de princípios ESG em contratos de longo prazo vai além do cumprimento formal da legislação, integrando preocupações ambientais, sociais e de governança às operações comerciais. No aspecto ambiental, cláusulas contratuais podem incluir compromissos de redução de emissões, gestão de resíduos e práticas sustentáveis. No eixo social, as obrigações podem abranger a promoção de condições dignas de trabalho, respeito à diversidade e apoio a comunidades impactadas pelas atividades empresariais. Quanto à governança, é essencial a definição de processos decisórios transparentes, auditorias regulares e mecanismos de combate à corrupção.
Esses elementos não apenas contribuem para a mitigação de riscos reputacionais e operacionais, mas também criam valor de longo prazo, atraindo investidores, fortalecendo a relação com stakeholders e consolidando a imagem de responsabilidade corporativa da empresa. A implementação efetiva de compliance e ESG nos contratos sinaliza um compromisso estratégico com a ética e a sustentabilidade, promovendo relações comerciais mais equilibradas e duradouras.
Planejamento e práticas eficazes
Os contratos empresariais de longo prazo exigem planejamento cuidadoso e mecanismos robustos para identificar e mitigar riscos. A aplicação de garantias bem estruturadas e o respeito às normas legais promovem segurança jurídica e asseguram a continuidade das relações contratuais. Ao adotar práticas eficazes de mitigação, as empresas garantem estabilidade e transformam compromissos contratuais em alicerces para o crescimento sustentável.
Dessa forma, os contratos empresariais de longo prazo não apenas garantem segurança jurídica e previsibilidade econômica, mas também se tornam instrumentos dinâmicos de adaptação e sustentabilidade no mundo dos negócios. A chave para o sucesso não está na rigidez, mas na capacidade de evolução diante das incertezas. Afinal, um contrato bem estruturado não é aquele que apenas estabelece regras, mas sim aquele que permite que as partes cresçam juntas, enfrentem desafios e, sobretudo, prosperem ao longo do tempo. E então, seu contrato está preparado para o futuro?
1 Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
2 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
3 Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.
Art. 1.419. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.
Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.
4 Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.
5 Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
(…)
II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia.
6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos. 23. ed. Barueri, SP: Atlas, 2023. (Direito Civil; 3).
7 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2025.
8 BRASIL. Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2025.
9 CASTRO, Flávia Câmara e. A cláusula de hardship em contratos empresariais no Brasil. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2025.
https://www.migalhas.com.br/depeso/424003/contratos-empresariais-de-longo-prazo-gestao-de-riscos-e-garantias
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