(Im)possibilidade de Distribuição Desproporcional de Lucros nas Sociedades Anônimas
Até pouco tempo era pacífico que não poderia haver distribuição desproporcional de lucros em sociedade anônima. Contudo, com a promulgação do Marco Legal das Startups (LC nº 182/2021), que alterou a Lei das S/A’s (Lei nº 6.404/1976), as discussões foram reavivadas.
Diferentemente das sociedades limitadas, regidas pelo Código Civil, que prevê a possibilidade de distribuição desproporcional, mediante previsão no contrato social, a Lei das S/A’s nada mencionava. O entendimento acerca da impossibilidade, nos casos das S/A’s, foi construído jurisprudencial e doutrinariamente, já que não havia autorização ou proibição legal.
Assim, o Marco Legal das Startups previu que as S/A’s de pequeno porte, em casos de omissão do estatuto social, poderiam deliberar, em assembleia geral, acerca da distribuição de seus lucros, desde que respeitado o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade. Nestes casos, estaria até mesmo afastada a obrigatoriedade de distribuição dos dividendos obrigatórios.
Diante dessa alteração, alguns juristas entenderam ser possível a distribuição desproporcional de lucros nas S/A’s. Todavia, a falta de clareza do artigo 294 e os poucos meses de vigência das alterações realizadas na Lei das S/A’s trouxeram insegurança à distribuição desproporcional dos lucros nas S/A’s.
Portanto, sem um posicionamento do judiciário, os juristas que entendem pela possibilidade de distribuição desproporcional, fizeram uma interpretação mais abrangente do artigo 294 considerando todo o contexto de sua alteração e demais previsões do Marco Legal das Startups. Especialmente porque o Marco Legal das Startups previu diretrizes mais liberais e desburocratizadas, permitindo maior competitividade às sociedades.
Para estes juristas, estes princípios não foram previstos à toa, pois estão justamente baseados na flexibilidade e dinamicidade que as startups trouxeram ao mercado. Nesse contexto, a possibilidade de distribuição desproporcional de lucros nas S/A’s estaria compatível com as diretrizes liberais e desburocratizadas previstas.
Além disso, a distribuição desproporcional de lucros possibilita que o direito a percebê-los seja vinculado ao acionista, possibilitando que a cada acionista sejam distribuídos percentuais de acordo com a sua participação na atividade e não somente no capital social. O caráter personalíssimo da distribuição desproporcional, estaria compatível com o cenário trazido pelas startups, em que uns ingressam na sociedade apenas como investidores e outros pela capacidade de empreender e/ou por possuírem o know-how necessário.
Juristas mais conservadores entendem que, uma vez que a alteração do artigo 294 foi feita isoladamente, ou seja, sem que outros artigos fossem alterados em conjunto, especialmente o artigo 109 da Lei das S/A’s, que elenca os direitos dos acionistas, permanece inalterado o entendimento até então consolidado. Isso porque pelo artigo 109 da Lei das S/A’s o estatuto social ou a assembleia geral não pode retirar alguns direitos dos acionistas, dentre os quais destacamos o direito de participar dos lucros.
Diante do curto tempo de vigência da alteração do artigo 294 da Lei das S/A’s, sem dúvidas a incerteza estará presente na distribuição desproporcional dos lucros nas S/A’s.
Neste cenário, em que pese os acionistas minoritários não deterem poder decisório nas Assembleias Gerais, é extremamente importante que o seu direito de recebimento dos lucros não reste prejudicado, caso seja adotada a distribuição proporcional. De forma que a distribuição desproporcional deve obedecer a parâmetros objetivos e justos, o que não podem significar o recebimento por uns e o não recebimento por outros, ou seja, ainda que de forma desproporcional, a todos os acionistas devem ser distribuídos os lucros da sociedade, observados parâmetros objetivos e racionais para tanto.
Assim, os critérios que levaram à distribuição desproporcional dos lucros, que, mesmo que não observe a regra dos dividendos obrigatórios, deve respeitar o mínimo pré-fixado às ações preferenciais, de modo que a Assembleia Geral não poderá fixar percentual inferior ou, então, não priorizar o seu pagamento.
Ainda que se tome todas as cautelas, não é possível afirmar que a distribuição desproporcional de lucros, será entendida como válida pelo Judiciário, motivo pelo qual os riscos dessa prática devem ser sopesados quando utilizado o instituto.
Anna Paula Piovesan Pinheiro
Advogada, graduada em Direito, com ênfase em Direito Civil, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduanda em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS, inscrita na Ordem dos Advocados do Brasil, Secção São Paulo (OAB/SP) (2021). Autora de artigos. Advogada no TM Associados.
Leonardo Theon de Moraes
Advogado, graduado em direito, com ênfase em direito empresarial, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012), inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP) (2012). Pós-graduado e Especialista em Direito Empresarial pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (2014), Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2017), autor de livros e artigos, palestrante, professor universitário, membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), membro do Comitê de Direito Empresarial e de Fusões e Aquisições da International Bar Association. Sócio fundador da TM Associados.
Deixe uma resposta
Quer juntar-se a discussão?Fique à vontade para comentar!