“Non-compete” – A Necessidade de Interpretação Restritiva da Cláusula de Não-concorrência

Reconhecida como uma obrigação moral e de lealdade, a cláusula de não-concorrência ou non-compete, de forma geral, restringe a atuação das partes de um contrato para que uma não exerça atividade considerada concorrente à outra. Referida cláusula é comumente utilizada em operações de compra e venda de quotas/ações (M&A), nas quais visa a proteção e manutenção da viabilidade financeira e operacional dos negócios, podendo ser aplicada em diversos segmentos de mercado e em diferentes situações.

Nas referidas compras e vendas de quotas/ações, por exemplo, tornou-se bastante usual a oposição da cláusula de non- compete, restringindo-se, por meio dela, por vontade das partes, atividades concorrentes entre o vendedor e o comprador por determinado período de tempo e em determinado segmento, reduzindo, assim, o risco de o investimento desta operação não ser satisfatório às partes em razão de eventual concorrência.

Apesar de parecerem simples, as cláusulas de non-compete possuem requisitos para sua validade, tais como: tempo de vigência pré-determinado, delimitação de território e atividade. Além destes requisitos, as cláusulas de non- compete vêm acompanhadas, também, de uma indenização arbitrada em valor suficiente para remunerar o individuo pelo período em que ficar impedido de atuar em decorrência dela, sendo reconhecida pela doutrina como uma obrigação moral e de lealdade, precificando, assim, a não-concorrência destes sócios, que deixam de integrar o quadro societário e restam impedidos de atuar no mercado.

Importante destacar que há diversos tipos de cláusulas de no- compete. A mais comum se preocupa em restringir a atuação de diretores e/ou controladores de sociedades, por um período de tempo, dentro de um determinado segmento, dispondo que eles não poderão atuar em negócios semelhantes àquele alienado e/ou que faziam parte.

Um exemplo prático seria a compra de uma empresa de criação de aplicativos de mobilidade urbana. O controlador e/ou diretor de programação do aplicativo e de toda a sua inteligência conhece todo o sistema de programação deste, seus pontos fortes e seus pontos que poderiam ser melhorados, além de possuir conhecimento de mercado. Não seria justo que este controlador e/ou diretor, um mês depois da compra desta empresa, fosse trabalhar para o seu maior concorrente ou se empenhasse em um projeto idêntico.

Contudo, apesar da restrição concorrencial, para a validade da cláusula, como mencionado acima, além de especificar a atividade e tempo, a cláusula de não-concorrência, deve prever uma indenização suficiente para remunerar o individuo pelo período em que ficar impedido de atuar em decorrência da referida cláusula.

Há, também, a possibilidade da instituição de cláusulas de non-compete para a restrição da prática de determinadas atividades entre pessoas jurídicas e/ou sociedades a elas vinculadas. Trata-se de uma prática disseminada entre as partes, ou seja, as partes estipulam de forma expressa a restrição que deverá ocorrer.

Esta preocupação, presente em toda cláusula de não-concorrência, em delimitar de forma expressa os pormenores da restrição, ocorre porque estas acabam por restringir diretamente a livre concorrência[1] e a livre iniciativa[2], ambos princípios constitucionalmente estabelecidos.

Assim, faz-se necessário que as cláusulas de non-compete sejam interpretadas de maneira restritiva, em razão de razoável preocupação de uma possível “expansão” em sua interpretação, impondo-lhe restrições àqueles que por meio dela se comprometeram que não estejam expressamente mencionadas no quanto pactuado.

Desta forma, entende-se que a aplicação e interpretação destas cláusulas devem ser sempre restritivas, até porque as cláusulas sempre serão interpretadas a favor das liberdades constitucionais (livre iniciativa e livre concorrência), e as partes não podem ser obrigadas a não empreender ou não competir além dos limites expressamente nela pactuados.

Os tribunais brasileiros já têm caminhado para um entendimento pacificado neste sentido, analisando de maneira cautelosa quais foram os limites pactuados entre as partes, para que as cláusulas de non-compete não sejam interpretadas de maneira extensiva, mas sim de forma restritiva e atendo-se somente ao que foi pactuado e da maneira que foi pactuado, respeitando, assim, os princípios constitucionais já mencionados.

Um julgado que vale a pena ser mencionado é de 1911, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que se discutia a má-fé de um comerciante que após a venda de sua loja a terceiro, estabeleceu com ele que não poderia ter a instalação de outra loja na Rua Consolação. Porém, o comerciante instalou uma nova loja em uma rua próxima daquela mencionada.

O Tribunal de Justiça entendeu que não houve má-fé deste comerciante, que inicialmente vendeu sua loja, uma vez que as partes livremente restringiram o território em que seria a “zona proibida” da nova instalação da loja, e os termos foram claros: na Rua Consolação. Como na época não foi feita uma restrição maior (um raio a contar da rua da Consolação, por exemplo), não poderia o comerciante que se sentiu lesado cobrar por algo não previsto expressamente no contrato outrora pactuado.

Assim, a cláusula de non-compete, ou não concorrência, deve ser sempre interpretada de forma restritiva, atendo-se ao quanto expressamente pactuado entre as partes e em respeito ao princípio da Pacta Sunt Servanda.

Giovanna Luz Carlos – Advogada, graduada em direito, pelo Centro Universitário Padre Anchieta (2019), inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP) (2020). Pós-graduada em Processo Civil pela Faculdade Damásio de Jesus. Advogada e Coordenadora Administrativa do TM Associados.

Leonardo Theon de Moraes – Advogado, graduado em direito, com ênfase em direito empresarial, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012), inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP) (2012). Pós-graduado e Especialista em Direito Empresarial pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (2014), Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2017), autor de livros e artigos, palestrante, professor na graduação, MBA e Educação Executiva na FIPECAFI e membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Sócio fundador do TM Associados.


<[1] O princípio da livre concorrência, que está descrito no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal de 1988, vem para complementar a ideia da livre iniciativa, ou seja, este princípio irá assegurar a competitividade no mercado, garantindo direitos iguais para todos, e com isso, permitindo com que qualquer pessoa possa explorar qualquer atividade comercial, salvo eventuais impedimentos legais.
[2] O livre arbítrio e liberdade na escolha de uma atividade econômica, assim como a liberdade de escolha dos meios pelos quais se pretende atingir esta atividade econômica.

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