A Malandragem nos Negócios
Em entrevista conferida à Ana Paula Padrão, no Masterchef, programa transmitido pela Band, a Chefe de Cozinha, Paola Carosella, revelou a “estratégia de negócio” utilizada para comprar a parte dos seus sócios do Restaurante.
Paola disse, que ao idealizar seu restaurante em São Paulo, não teria condições financeiras para estruturá-lo, e acabou conseguindo que sete sócios investissem no restaurante. Paola também disse que ela era a única que trabalhava, mas que o restaurante tinha um design escolhido por seus sócios e que não tinha “a cara dela”.
Para conseguir comprar a participação de seus sócios, visando deter o controle da sociedade do restaurante, a chef admitiu na entrevista que “largou” o restaurante por cerca de três meses, visando que o faturamento caísse propositalmente, com a intenção de diminuir o valor para compra das quotas de seus sócios. Assim, após a execução de seu plano, comprou a parte dos seus sócios por valor inferior do que o restaurante efetivamente valia.
Verdade ou não, o assunto gera curiosidade e trataremos aqui os impactos societários que a conduta (se perpetrada) pode causar. Primeiramente, cumpre esclarecer que o sócio de uma empresa, não precisa trabalhar nela. Ao sócio cabe integralizar (pagar) o capital social subscrito (prometido), ter voz e voto nas deliberações sociais (reuniões ou assembleias de sócios), participar dos resultados (lucro ou prejuízo) e ter direito ao reembolso de capital.
Aquele que trabalha e faz a administração dos negócios no seu dia-a-dia é o administrador que pode ou não ser um de seus sócios. O(s) administrador(es) como pagamento pelo seu trabalho recebem uma remuneração a título de pró-labore.
Da explicação acima, vemos a primeira incongruência na fala da Chefe de Cozinha, que tenta justificar seu descontentamento por ser “a única sócia a trabalhar”. Ora não se pode esperar que seu sócio atue no negócio, o trabalho é atribuído aos colaboradores da sociedade, sob a administração e controle do(s) administrador(es). Aos sócios cabe, justamente, a função de sócio, como exposto acima, não havendo aí o dever de trabalhar na/pela Sociedade.
O segundo ponto que chama a atenção do ponto de vista societário, refere-se a “estratégia de negócios” narrada pela Chef que visava comprar a participação de seus sócios por um valor menor do que realmente valia a empresa. Para melhor esclarecer este aspecto, nas relações societárias, a boa-fé se manifesta em grau máximo, sendo que o interesse social, ou o interesse da Sociedade, deve pautar a atuação dos sócios e administradores.
Assim, aos sócios e, ainda mais, aos administradores, é imposto o dever de lealdade para com a Sociedade e com os demais sócios. O dever de lealdade é condensado em deveres concretos de colaboração e proteção devendo os sócios e os administradores colaborarem ativamente para zelar o interesse social e abster-se de condutas que possam prejudicar o interesse da sociedade e expectativas dos demais sócios.
Aos administradores, ainda, se tem o dever de fidúcia, que se traduz no dever do administrador em agir em conformidade com a confiança que lhes foi depositada pelos sócios na condução dos negócios da sociedade.
No caso narrado, verifica-se que ao “largar” o restaurante por cerca de três meses, a sócia, levando em conta seu papel de administradora, não cumpriu com seus deveres de boa-fé e lealdade, uma vez que agiu contrariamente aos interesses da Sociedade e dos demais sócios, deixando o faturamento cair propositalmente, para atingir um interesse pessoal de adquirir o controle da Sociedade para si.
Os atos narrados pela Chef, quando analisados frente as premissas do direito societário, não devem ser utilizados como exemplo, visto que ao levar em conta os princípios já apontados no presente artigo, são contrários à boa-fé, à ética nos negócios e relacionamentos, dentre outros.
As consequências jurídicas para práticas como esta podem incluir:
(i) Condenação para o pagamento de indenização por danos materiais aos demais sócios:
(a) em valor equivalente ao que deixaram de auferir com a venda de suas participações na Sociedade; e
(b) em valor equivalente ao que deixaram de auferir pelos resultados da Sociedade enquanto ainda eram sócios.
(ii) Condenação para o pagamento de indenização por danos morais aos demais sócios:
(a) Em valor equivalente à pela perda da chance dos sócios que se os números do restaurante fossem melhores, talvez não tivessem interesse em vender; e
(b) Em valor necessário para que a conduta não seja repetida (caráter punitivo).
Leonardo Theon de Moraes
Advogado, graduado em direito, com ênfase em direito empresarial, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012), inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP) (2012). Pós graduado e Especialista em Direito Empresarial pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (2014), Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2017), autor de livros e artigos, palestrante, professor universitário, membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), membro do Comitê de Direito Empresarial e de Fusões e Aquisições da International Bar Association. Sócio fundador do TM Associados.
Cindy Massesine Pimentel
Advogada, graduada em direito, com ênfase em direito público, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP -2019), inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP) (2019). Pós graduada em Direito Notarial e Registral pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS), autora de artigos. Líder do Departamento Consultivo no TM Associados.
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