Danos Presumidos: Quando Não Há a Necessidade de Comprovar o Dano
No direito brasileiro, via de regra, o ofendido que deseja ingressar com ação de indenização por danos, sejam eles morais ou materiais, fica obrigado a comprovar que este dano tenha de fato ocorrido. Ou seja, na maior parte dos casos, o ofendido precisa comprovar que este ato ilícito lhe trouxe algum dano, e que, por este motivo, possui direito a indenização para repará-lo.
Esta obrigatoriedade ocorre, principalmente, para que o juiz possa analisar se esta indenização é mesmo devida, e, posteriormente, para que ele possa arbitrar e calcular essa indenização.
Assim, a regra é clara: quem requer a indenização por um dano precisa comprová-lo.
Porém, há alguns casos e situações em que o dano pode ser presumido, principalmente o dano moral. O dano presumido, também, é conhecido como “in re ipsa”, expressão em latim comumente utilizada em redações jurídicas.
Nestes casos específicos, o ofendido (o Autor da ação), apesar de ter sofrido um dano, decorrente de um ato ilícito praticado por terceiro, não precisará comprová-lo em juízo, bastando comprovar a prática do ato ilícito pela outra parte que tenha ensejado o prejuízo do ofendido (seja ele de personalidade, de imagem, de honra ou de privacidade), e, desta forma, o dano estará configurado.
Como esse é um tema que sempre fomenta novas discussões, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), está constantemente analisando e atualizando uma lista, um mero rol exemplificativo, de casos em que entende em que o dano será presumido.
Este estudo constante do STJ se faz de suma importância para toda a sociedade, visto que a grande maioria dos casos elencados pela instancia superior como “hipóteses de dano presumido”, são muito cotidianos na vida dos brasileiros.
Recentemente, em outubro de 2022, o STJ divulgou uma série de hipóteses em que o STJ reconheceu a aplicação do dano presumido, explicando ainda o porquê desta decisão e como isso pode afetar a vida dos brasileiros. Falaremos de alguns deles a seguir:
Dano moral na hipótese de corpo estranho no alimento, sem a necessidade deste ter sido ingerido: a Segunda Seção unificou a jurisprudência das turmas de direito privado do STJ e considerou irrelevante a efetiva ingestão do alimento contaminado por corpo estranho – ou do próprio corpo estranho – para a caracterização do dano moral, pois a compra do produto insalubre é potencialmente lesiva ao consumidor.
Para a relatora ministra Nancy Andrighi, “a distinção entre as hipóteses de ingestão ou não do alimento insalubre pelo consumidor, bem como da deglutição do próprio corpo estranho, para além da hipótese de efetivo comprometimento de sua saúde, é de inegável relevância no momento da quantificação da indenização, não surtindo efeitos, todavia, no que tange à caracterização, a priori, do dano moral”.
Dano pela recusa do plano de saúde a autorizar tratamento médico emergencial: As turmas de direito privado do STJ possuem entendimento de que a recusa indevida de tratamento médico emergencial, pela operadora de plano de saúde, da causa a reparação por danos morais, pois agrava a situação de aflição psicológica e de angústia do beneficiário, estando caracterizado o dano moral “in re ipsa”.
Dano pelo uso indevido de marca: A jurisprudência do STJ também entende que é devida reparação por danos patrimoniais (a serem apurados em liquidação de sentença) e por danos extrapatrimoniais na hipótese de se perceber a violação de marca, independentemente de comprovação concreta do prejuízo material e do abalo moral resultante do uso ilícito.
Com esse entendimento, a Quarta Turma do STJ manteve em R$ 15 mil a indenização por danos morais a que a empresa” Sonharte Brasil” foi condenada pelo uso indevido da marca de outra empresa do mesmo ramo, a “Sonhart”.
A instância de origem reconheceu que a “Sonharte” utilizou-se da expressão para a divulgação de seus serviços, de forma que o houve a conclusão da violação do direito da propriedade industrial da “Sonhart”.
Neste caso, ficou comprovado que houve concorrência desleal com o uso de nome “praticamente idêntico” ao registrado pela concorrente “no mesmo ramo de atividade econômica, de forma a induzir em erro o consumidor”.
Dano pela comercialização de dados pessoais em banco de dados: Para a Terceira Turma do STJ, a disponibilização ou a comercialização de informações pessoais do consumidor em banco de dados, sem o seu conhecimento, configura hipótese de dano moral “in re ipsa”.
Em julgamento recente, os ministros mantiveram em R$ 8 mil a indenização devida a um consumidor que teve seus dados divulgados por uma empresa de soluções em proteção ao crédito e prevenção à fraude.
No caso em tela, além da proteção máxima do Código de Defesa do Consumidor, também se faz necessária a observação e aplicação da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados.
Em trecho do julgamento temos o seguinte: “O consumidor tem o direito de tomar conhecimento de que informações a seu respeito estão sendo arquivadas/comercializadas por terceiro, sem a sua autorização, porque desse direito decorrem outros dois que lhe são assegurados pelo ordenamento jurídico: o direito de acesso aos dados armazenados e o direito à retificação das informações incorretas.”
De acordo com a ministra Relatora, a não observância dos deveres ao tratamento dos dados do consumidor – entre os quais se inclui o dever de informar – faz nascer para este o direito a indenização pelos danos causados e de fazer cessar, imediatamente, a ofensa aos direitos da personalidade.
A discussão sobre os danos presumidos é, além de necessária, constante dentro do nosso ordenamento jurídico, em razão da necessária atualização das hipóteses para sua configuração, reduzindo o tempo de duração dos processos, bem como garantindo maior segurança jurídica.
Giovanna Luz Carlos, – Advogada, graduada em direito, pelo Centro Universitário Padre Anchieta (2019), inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP) (2020). Pós-graduada em Processo Civil pela Faculdade Damásio de Jesus. Advogada e Líder de Desenvolvimento Organizacional e Cultural no TM Associados.
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